segunda-feira, 25 de julho de 2011

Presidentes com e sem luto


Renato Janine Ribeiro
Valor econômico 25/07/2011

Não podemos tratar do luto com pressa. Superar a perda de uma pessoa querida exige tempo. A pior coisa nas revistas de celebridades é que, a cada tragédia que elas sofrem, afirma-se que a pessoa "já superou". Mas há perdas que nunca superamos, como a do filho, e outras só com o tempo. Dizia-me outro dia minha colega Clotilde Rossetti Ferreira, da USP de Ribeirão Preto, que nos casos de luto mesmo a medicação pode abafar a maneira como se lida com a perda. O tempo, matéria-prima da história, é também o que decanta o luto.

Por isso, esperei para falar da morte de Itamar Franco. Em poucos meses perdemos, após longo intervalo sem morte presidencial significativa, um vice-presidente e um presidente. O enterro de José Alencar assumiu algumas cores do funeral que é um paradigma para muitos brasileiros, o de Tancredo Neves em 1985. Seguiu-se outro vice, Itamar Franco, que se tornou titular do cargo com a condenação do presidente Collor e viveu duas décadas após o mandato. Não é o caso de comparar os dois, mas de refletir sobre a memória que deles fica, a maneira como nos despedimos, a tradução afetiva de seus legados políticos.

O Brasil tem pouca tradição na liturgia do enterro presidencial. Nossos dois imperadores, que reinaram durante quase todo o século XIX, morreram e foram sepultados no exterior. Mesmo assim, a volta dos restos mortais de Pedro I, na ditadura militar, trouxe um efeito irônico: em pleno regime de exceção, Pernambuco se recusou a honrar o corpo de quem tinha chacinado - tanto tempo antes! - suas lideranças políticas. Funerais têm um significado forte. Já no regime dito republicano, os ditadores militares e os presidentes escolhidos na fraude da República Velha não despertaram saudade ou luto maiores.

Getúlio, JK e Tancredo tiveram belas despedidas

Três enterros seminais marcam nossa história, compensando, pela intensidade, seu pequeno número. O último foi o de Tancredo Neves, em 1985. A história era inacreditável. À véspera de sua posse na Presidência, encerrando 21 anos de ditadura, ele era internado; um mês depois, coincidindo com a morte do maior herói popular de Minas e do Brasil, ele morria. O itinerário do corpo atraiu multidões. Vi passar a carreta, saindo do Hospital das Clínicas de São Paulo, pelo cruzamento da Rebouças com a Brasil. Encontrei uma amiga petista, que se opusera à eleição de Tancredo pelo ilegítimo colégio eleitoral da ditadura, mas que estava chocada, como todos. Durante horas, a televisão mostrou o avião levando seu corpo para Brasília, ao som de "Canção de estudante", de Milton Nascimento. Por meia hora, o pedreiro em São João del-Rei alisou o cimento que lacrava sua sepultura. A despedida do presidente que não chegou a sê-lo foi no ritmo mais vagaroso que se possa imaginar. Eram imagens intermináveis de um enorme não-evento. Com razão: sua morte abrupta bloqueara o grande evento previsto, o frenesi de acontecimentos que seria a festa pelo fim da ditadura, fazendo o regime civil começar com um vazio espantoso. A festa, retardada, só explodiu sete anos depois, no carnaval - no melhor sentido do termo - que levou ao impeachment de Collor.

O funeral de Getúlio Vargas foi o mais forte de nossa história. Seu ministro da Justiça era Tancredo, a quem o presidente entregou a caneta com que assinou seus últimos atos; trinta anos depois, Tancredo pretendia assinar com ela o termo de posse. Vargas estava destruído politicamente na noite de 23 de agosto de 1954. Mas, ao suicidar-se, reverteu a situação. Adiou por dez anos o golpe militar. Abriu lugar para Juscelino, o desenvolvimento, Brasília, a indústria, a bossa nova. Vi seu enterro no filme "O mundo em que Getúlio viveu", de Jorge Ileli, que se concentra no luto popular por sua morte, nas cenas de orfandade de um povo que se sente privado do líder querido. Rodado em 1963, o filme só estreou em 1976.

Juscelino Kubitscheck, que morreu perseguido e cassado, teve funerais sob rígido controle. Mas foi difícil a polícia reprimir a emoção. O melhor sinal de que a ditadura perdera o apoio foi dado por um senhor que tentava entrar na igreja e, contido pela repressão, gritou: "Sou cassado!". A frase mágica permitiu que entrasse. Em 1976, a punição pela ditadura tornara-se honra.

Os dois funerais deste ano foram modestos. Felizmente, não tivemos a cena horrível, quase pagã, de cinco pessoas mortas imprensadas contra as grades do Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, que marcou a emoção e sobretudo a desorganização do enterro de Tancredo. Mas me surpreendeu, primeiro, que José Alencar fosse o primeiro político, em vinte e seis anos, a ter um enterro de porte presidencial. Muitos de nós nem lembramos quando morreram os ditadores do período militar. Não houve luto por eles. Mas, aqui, vimos um vice extremamente leal ao presidente Lula, mesmo discordando de sua política na taxa de juros, e que se tornou muito querido, como registra Eliane Cantanhede na biografia que lhe dedicou, fosse pela lealdade, pela luta contra o câncer ou, ainda, pela tenacidade que o levou a viver até o fim o mandato que recebeu do povo. E agora assistimos a um enterro mais discreto, o de Itamar Franco. Enquanto Getúlio, Tancredo e Alencar morreram à sombra de suas funções, Itamar sobreviveu à Presidência quase duas décadas. Realizou o sonho de governar Minas, apoiou e atacou FHC e Lula, continuou na ativa. O curioso e triste é que uma de suas grandes realizações, o Plano Real, dele subtraída por anos de propaganda política, só lhe fosse reconhecida na beira do túmulo. Estas são ocasiões de pensar sobre a memória, sua lentidão e talvez sua justiça final.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

E-mail rjanine@usp.br

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A corrupção e o desenvolvimento

Minha primeira contribuição como colunista regular no Valor (em maio):

A corrupção e o desenvolvimento

Renato Janine Ribeiro
02/05/2011

Começo a colaboração nesta página sentindo-me honrado e, também, ansioso por contribuir para um debate respeitoso entre posições que podem ser divergentes. Sem divergência, é difícil haver debate; sem respeito, é impossível. Proponho hoje uma questão que sei candente, a da corrupção. Cresci, acreditando que corrupção e subdesenvolvimento andavam juntos. Alguns achavam que o Brasil era subdesenvolvido, porque corrupto; sem chegar a tanto, eu considerava nosso país corrupto, porque subdesenvolvido. Mas será mesmo assim?

Porque, mundo afora, se vê que também os países mais ricos e desenvolvidos mostram bastante corrupção. Nem eu, nem nenhuma entidade que estude a corrupção, temos dados consistentes sobre sua dimensão real. Mesmo o indicador mais utilizado, o da Transparência Internacional, fala em percepção da corrupção. É possível que a corrupção maior passe despercebida. Talvez nunca venhamos a saber dela. Quando o portal do Governo revelou os gastos com cartões corporativos, mesmo os que causaram maior indignação eram de pequena monta; certamente, grandes corruptos não deixam pistas. Mas, de todo modo, o que se lê sobre as nações mais desenvolvidas, com a exceção dos países escandinavos, aponta escândalos espantosos. Não falemos apenas na Itália de Berlusconi, na França de Chirac, nas acusações a ex-primeiros-ministros espanhóis ou na crise holandesa de 1976, quando se soube que o marido da rainha recebera suborno da Lockheed. Concentremo-nos na invasão norte-americana do Iraque e nos contratos que ela proporcionou.

Corrupção não é só atraso, porque existe em países ricos

Em 2003, eu lecionava na Universidade de Maryland. No seu campus de College Park, vi um debate sobre a invasão iminente. Um seu defensor explicou que ela nada custaria aos contribuintes, porque seria paga com o petróleo iraquiano. Nunca antes eu tinha visto um ladrão ser tão explícito. Mas a verdade é que não apenas o ouro negro do Iraque foi entregue a quem os invasores quiseram, como também o orçamento dos Estados Unidos foi sangrado a fundo. Contudo, as denúncias de benefícios a empresas vinculadas ao então vice-presidente norte-americano não levaram a nenhum inquérito mais exigente. Comparando, o fato de estarem hoje indiciados Chirac, na França, e entre nós os suspeitos pelo mensalão do PT, é um diferencial significativo, embora muitos creiam que nada disso resultará em condenações.

Ou pensemos historicamente. Uma das fases de maior desenvolvimento econômico dos Estados Unidos, o final do século XIX, é também o apogeu dos "robber barons", barões ladrões, alcunha dada a industriais e financistas que não tinham escrúpulos no trato dos empregados, fornecedores, concorrentes e na sonegação tributária. Suas práticas indecentes não impediram o país de crescer economicamente.

Considero muito bom que, em nossos dias, movimentos militem por um ambiente de negócios marcado pela honestidade. Ter garantias éticas é essencial - sustenta André Franco Montoro Filho num bem argumentado artigo do livro "A cultura das transgressões", editado pela ETCO - para que o capitalismo funcione. Torço para que ele tenha razão. Mas penso que essa é uma forma apenas de capitalismo, que não funcionou em todas as épocas nem em todos os lugares. Certamente, é o preferível para a sociedade como um todo; deve melhorar a vida dos funcionários, dos concorrentes, sobretudo os pequenos empresários, e o papel do Estado. Mas não significa que seja essa, necessariamente, a tendência dominante do capitalismo.

Quer isso dizer que devamos nos resignar à corrupção? De forma alguma. Porém, primeiro, não devemos confundir sua percepção com sua realidade. Hoje, a boa notícia é que se denuncia mais a corrupção do que sob a ditadura. Mas isso não quer dizer que o regime de exceção fosse mais honesto - apenas, que era mais difícil descobrir e relatar o mau uso do dinheiro público. A sociedade está mais exigente. É preciso que tanto os órgãos da Justiça quanto a imprensa aperfeiçoem seus meios de identificar e denunciar os atos de corrupção. Mas também há um segundo aspecto que devemos apontar.

É frequente ouvir-se, hoje, que ser ético agrega valor. Em certos casos, é verdade. A empresa que promove um recall, o governante que corrige uma política, o jornalista que reconhece um erro podem sofrer um impacto negativo em sua imagem a curto prazo, mas depois disso conseguem maior confiança de seu respectivo público. Perdem no varejo, ganham no atacado. Nosso tempo valoriza essas condutas, e isso é bom. Só que políticos, empresas e jornais também lucram com práticas, digamos, menos ortodoxas. Dos exemplos de boas práticas, não podemos inferir que sempre a ética é bom negócio. Porque nem sempre é. E, sobretudo, não deve ser negócio.

Não há ética sem o risco do prejuízo e do fracasso. Quando pregamos que a ética é vantajosa ou mesmo rentável, esquecemos que muitas vezes ela não o é. "Hoje, para ser ético, às vezes é preciso ser herói", diz um personagem no romance "A casa da Rússia", de John LeCarré. Nem todos nós teremos estofo ou disposição para o heroísmo. Mas devemos reconhecer que as razões para combater a corrupção e assegurar a lisura na política, na economia e na sociedade são, afinal de contas, éticas mesmo. Combater a corrupção para melhorar o ambiente econômico é muito bom, mas não basta. Prometer a jovens - empresários, políticos ou jornalistas - um mundo ao mesmo tempo lucrativo e decente é correr o risco de não fortalecer sua fibra moral. Quando tiverem de escolher, saberão fazê-lo? Terão a coragem necessária para enfrentar o prejuízo que a decência, por vezes, exige?

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

E-mail rjanine@usp.br

Será que a opção verde amarelou?


Renato Janine Ribeiro
Valor econômico
18/07/2011

Não lembro caso de relação custo-benefício tão boa quanto a campanha eleitoral de Marina Silva, em 2010. Dispondo só de um partido pequeno na Câmara de Deputados, o que lhe dava um minuto e meio de televisão, atingiu 20% dos votos para a Presidência. Quer dizer que, tendo um tempo de propaganda baseado em 2,5% dos deputados eleitos em 2006, Marina multiplicou por oito esse investimento, em retorno de votos. Seu output rendeu oito por um... Já os seus adversários, Dilma Rousseff e José Serra, tiveram retorno bem menor, inferior mesmo a um. E Marina chegou a isso, não mercê das máquinas governamentais federal e estaduais, mas pelo entusiasmo e convicção de seus simpatizantes. Isso é irônico, porque o entusiasmo foi por 20 anos a marca de um PT sem dinheiro para fazer campanhas, e o PSDB nasceu com convicção de combater o fisiologismo do PMDB; mas, hoje, ambos apostam no dinheiro e nas alianças com os ex-inimigos.

Um sucesso, a campanha de Marina. Se tivemos segundo turno, foi porque um quinto dos brasileiros escolheu o verde. Muito se discutiu se Marina deveria ter apoiado um dos finalistas, no segundo turno. Acertou em não apoiar nenhum. Se seu empenho na causa social a levasse a apoiar Dilma, ou seus eleitores de classe média a conduzissem a Serra, ela se tornaria uma linha auxiliar, pessoalmente mais importante que o PCdoB para Dilma ou o DEM e o PPS para Serra - mas, mesmo assim, auxiliar. No entanto, um mês depois da eleição, já não se mencionava sua votação. Ficou, como oposição, a tradicional. Na Câmara, o PV passou de 13 para 14 eleitos, quase nada. Basta lembrar que no pleito de 2006, sem onda Marina, o PV subira de cinco para 13 deputados federais.

Um grande sucesso mas que deixou tudo como estava

Será que o verde amarelou? O PV nada fez para manter Marina nos seus quadros - longe disso. Compreendo que, para os veteranos do partido, o fato de uma enorme votação presidencial não se traduzir em assentos no Congresso tenha sido uma decepção. Entendo também que não quisessem dar a uma novata a liderança do partido. Mas o rumo tomado pelo PV é quase um suicídio. Era o único partido do qual podíamos dizer que representava ideias novas.

Como lembra Claudio Couto, o PSOL pode ser outro partido puro nas suas ideias, mas estas não são novas. Os demais partidos estão comprometidos demais com a defesa de interesses - tanto os dois grandes blocos que se alternam no poder, quanto as agremiações que apoiam ora um, ora outro.

Ora, se o PV opta pela Realpolitik, tende a se tornar uma pequena linha auxiliar do PSDB, participando de seus governos estaduais. Imaginemos então um PT que ejetasse Lula, ou um PSDB que excluísse seus maiores nomes. Eis o PV, hoje. Será difícil ele crescer. É claro que, se Gabeira se eleger prefeito no Rio, em 2012, com o apoio tucano, e o partido de Kassab levar à prefeitura de São Paulo o verde Eduardo Jorge - dois ex-petistas que hoje têm apoio mais dos liberais que da esquerda - as coisas podem melhorar. São dois nomes bons ou ótimos. Mas, salvo surpresas, o PV está em viés de desprestígio.

E Marina? Nos nove meses após seu sucesso, perdeu a chance de conservar uma forte presença política. Atuou, sim, na votação do Código Florestal. Mas fez pouco mais que isso. O ideal verde, hoje, é bem mais que a defesa das florestas. Ele é um estilo, altamente ético, de vida. Retoma a preocupação moral que norteou a criação do PT e do PSDB, mas vai além. O PT queria tornar o Brasil ético, entendendo por isso a justiça social. O PSDB pretendia tornar ético o país, significando com isso o fim da corrupção ou pelo menos do fisiologismo. Já a linha verde quer as duas metas e também um desenvolvimento econômico com valor ético planetário. Não será contra o capitalismo, como a maioria do PT já foi, nem quererá o desenvolvimento mesmo a alto custo, como nossos dois grandes partidos, mas defenderá um desenvolvimento capitalista não predatório. Isso precisa ser inventado. Seu ideal é audacioso: o exemplo é o da água que a indústria devolve ao rio, tão limpa como entrou. Quer dizer: que o uso humano dos recursos planetários lhes cause o menor dano possível e, com o avanço da ciência, um dia até os melhore. Estamos a mil léguas do uso de combustíveis fósseis, da predação dos minérios, do aquecimento global. É uma utopia, mas com forte base na ciência - e, o que é raro na história das utopias, nas ciências da vida mais que nas ciências humanas.

Esse projeto não se choca diretamente com as ideologias. Não divide as pessoas em direita e esquerda, em mundo do trabalho e do capital, em movimentos socialistas e liberais. Por isso, é um movimento simpático. Mas é exigente. Requer uma mudança radical do nosso trato com a natureza e também com o ser humano. Para isso, o que falta? A tradução da linguagem científica, que é um de seus pontos fortes, em convicção moral. Disse Al Gore: nos Estados Unidos as grandes causas políticas só triunfaram ao se converter em causas espirituais - a abolição da escravatura, o fim da segregação racial e, espera-se, a ecologia. Para traduzir a ciência e a política em valor ético, tivemos Gabeira, com influência importante mas socialmente limitada, e Marina Silva, com o impacto que as urnas revelaram. Mas é esse trabalho de conquista das mentes, bem maior que a conquista de uma secretaria, que poderá levar a uma mudança significativa, talvez a maior em nossas vidas. Depende ele de uma liderança pessoal? Como se criará uma nova mentalidade? Quando surgiu o PT, lembro uma amiga que dizia pertencer a um outro PT, o "Partido da Terra", o planeta. Pois é.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O PSDB hoje é uma nau sem rumo


Renato Janine Ribeiro
Valor econômico
11/07/2011




A presidenta Dilma está numa fase difícil de seu governo, mas que dizer da oposição? Do PV, como alternativa de poder, já não se fala. Restou a oposição tradicional, o PSDB, mas sem rumo. Por razões que a razão desconhece, seu candidato à Presidência, em vez de apostar naquilo em que ele é bom - o desenvolvimentismo - e que sempre lhe agregou valor em nossa política, preferiu na reta final da campanha de 2010 aderir ao moralismo, no aborto e até na homofobia.

O conglomerado tucano foi e é uma trinca de partidos. O maior deles é o PSDB. Dos três, só ele pode concorrer à Presidência da República. Já o DEM foi nosso maior partido, elegendo 105 deputados federais em 1998. Mas minguou para 43, em 2010. Largou o nome de PFL, sangra com a saída do prefeito de São Paulo, seu maior líder eleito. Pouco lhe resta, salvo fundir-se com o PSDB. O terceiro é o PPS, antigo Partido Comunista Brasileiro: serve uma excelente retórica de esquerda somada a uma prática frágil. O PPS subsistirá mas, como vários partidos, sua vocação é ser coadjuvante - o que não é desonra alguma: também coadjuvantes recebem o Oscar.

Mas o eixo está no PSDB. Restam-lhe, hoje, três presidenciáveis. No Brasil, ser presidenciável é um galardão. Significa que o político recebe realce. Poucos presidenciáveis chegam à presidência, é óbvio, mas não basta ser político - ou político bom - para ser presidenciável, isto é, alguém com reais chances de se eleger. Os três são ex-governadores, dois de São Paulo e um de Minas Gerais. Parece que, após elegermos três presidentes sucessivos que jamais governaram um Estado, estaríamos voltando à regra de que se aprende a governar degrau a degrau, como quase sempre foi em nossa história.

A sorte é que faltam três anos para a eleição

Vejamos os três nomes. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, conta com a fama de pessoa calma e tranquila, mas já teve sua chance em 2006 e, talvez porque partiu para a agressão verbal ao então presidente Lula, conseguiu perder votos no segundo turno em relação ao primeiro, feito raro e que reduz sua cotação nacional. José Serra, ex-governador paulista, concorreu duas vezes à presidência e perdeu. Restaria o príncipe encantado que, desde a pré-campanha de 2010 aparecia como o nome do futuro, fadado a resgatar a morte do avô, diplomado mas que morreu antes de assumir a presidência, Tancredo Neves. Dizem que Serra lhe teria prometido a candidatura em 2014, qualquer que fosse o resultado do pleito do ano passado. Mas na noite do segundo turno, ao sair o resultado das eleições, Serra se absteve de cumprimentar correligionários que não fossem paulistas. Mais recente, o episódio em que Aécio Neves se recusou a prestar o teste do bafômetro deixa certa preocupação sobre sua maturidade para a Presidência. É provavelmente o melhor articulador dentro do partido, seu nome mais simpático e encantador, provém de um Estado que está há tempos fora do Planalto (até porque Dilma é mais gaúcha do que mineira) - mas deu à sociedade um exemplo negativo, em termos de conduta pessoal.

Este rápido percurso pelos nomes não substitui, porém, o que realmente conta: o projeto que o partido defenderá. Nenhum partido brasileiro, como se sabe, se diz de direita. O DEM, tentando não ser esvaziado por Kassab e sobreviver ao PSDB, outro dia ousou dizer-se "conservador". Mas talvez não tenha como ser um partido liberal, o que, aliás, não se confunde com conservador. O PSDB fará haraquiri se for conservador, e terá dificuldade em ser apenas liberal. Mas é fato que foi indo para a direita. Sua criação já mostrava algo estranho. Os partidos social-democratas, na Europa, nasceram dos sindicatos. Mas aqui não houve amor entre o mundo sindical e o PSDB. Significativo da dificuldade de se dizer "social-democrata" é um artigo na Folha, por sinal brilhante, em que Gustavo Franco definia, no começo do ano, a "social-democracia" em que acreditava: nada sobre o mundo do trabalho, tudo sobre economia, finanças e gestão. Estava mais para um liberalismo consistente do que para a social-democracia. Disso, o resultado é que a social-democracia brasileira acabou sendo o PT no governo.

Lembremos. Quando, no começo de 2002, Roseana Sarney aparecia como a promessa de uma candidatura forte da direita (pelo PFL), não acreditei. Ela não teria um projeto consistente. Mesmo sem as denúncias que liquidaram sua candidatura, não creio que se viabilizasse. Uma campanha eleitoral pode surpreender, mas antes de mais nada decanta as exceções, os excessos, as bolhas. O PSDB tem três anos para galvanizar o País. Sorte dele que sua crise se dê agora; imaginem se estivéssemos já em 2014. Qual será seu projeto, é difícil saber. O partido parece se dividir entre um projeto que seria o de Serra, ou melhor, o de Bresser Pereira: desenvolvimento econômico, com projeto nacional e bons resultados sociais; e outro, que retomaria a linha privatizante de FHC, o projeto que o "Economist" queria que Serra adotasse, mas sabia que ele não assumiria. Ora, dos dois projetos, o segundo parece ter completado seu papel, enquanto o primeiro foi e é executado, bem, pelo PT. Que discurso resta, então, ao partido tucano? Retomar a herança do governo Fernando Henrique parece pouco promissor. Concorrer com o PT em seu terreno é perda de tempo. Mas, em suma, o problema da oposição hoje não é o número de deputados, é o que ela quer fazer do Brasil. E, no fundo, deveria ser este o problema, não da oposição, mas de todos nós. Não importa tanto se um partido é grande e viável, ou não. Isso muda. O que importa é que o Brasil se beneficie das melhores propostas.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Dos ex-presidentes e de sua sabedoria


Renato Janine Ribeiro
Valor econômico
04/07/2011

Geralmente, não é bom ser ex. Quem perde a pessoa amada sofre. Quem deixa um cargo no governo, sobretudo o de presidente, perde. Quero falar hoje dos ex-presidentes. Chequei os norte-americanos. Desde 1900, vinte homens ocuparam a Casa Branca. Deles, apenas dois continuaram fazendo política depois de deixar o cargo, um deles rumando para a esquerda, Theodore Roosevelt, outro se conservando na direita, Herbert Hoover. Hoje, aquele país tem quatro ex-presidentes vivos (no Brasil, agora também são quatro). Mas, deles, apenas um é um excelente ex-presidente, Jimmy Carter, que não foi tão bem sucedido na presidência porém, depois, se revelou uma das lideranças éticas mundiais. Provavelmente, é o melhor ex-presidente daquele país em duzentos anos.

O que quero sustentar é que ser ex-presidente é um estilo, uma vocação. Dizer que alguém foi presidente (no passado) não é o mesmo que dizer que é ex-presidente (no tempo presente). Quem foi presidente pode se aposentar, ir para o Senado (como Sarney, Collor e até agora Itamar), continuar fazendo política - ou tornar-se "ex-presidente", que defino como a pessoa que aprendeu muito na chefia do Estado e utiliza essa sabedoria, sem fins sectários, para ajudar o país, a sociedade ou a humanidade. Vejam que, fora Carter, o melhor ex-presidente dos Estados Unidos é alguém que foi eleito, mas não empossado: Al Gore. Esbulhado de sua vitória eleitoral em 2000 pela fraude na Flórida e por uma Corte Suprema pouco digna, Gore se dedicou à defesa do meio ambiente contra o aquecimento global. Exerce atuação social bem superior à do presidente de quem foi vice, Bill Clinton, que tem uma fundação, sim, mas não é uma liderança moral. E não esqueçamos o maior ex-presidente dos Estados Unidos no século XIX, que foi John Quincy Adams, nosso conhecido porque aparece no filme Amistad como defensor dos escravos, e que - como Carter - foi um presidente não reeleito. O fracasso partidário se converteu em vitória ética.

Não dá para ser pelas redes sociais e contra a maconha

Temos ex-presidentes que correspondam a esse perfil? Tivemos? Questão interessante e polêmica. Obviamente, não é o caso de Lula, que continua ativíssimo na política, como aliás é seu direito. Já Fernando Henrique Cardoso talvez esteja efetuando a passagem do político para o sábio, o que é o tema desta coluna. Até pouco atrás, ele era um dos líderes do PSDB e, como Lula, fazia política. Parece, porém, estar em transição para o papel de ex-presidente. Curiosamente, o ponto de inflexão pode ter sido seu artigo "O papel da oposição", publicado na revista "Interesse Nacional", em que propunha uma agenda para o PSDB. Continuava, pois, centrando suas ideias no partido que ajudou a fundar e que levou ao Planalto. Mas o "paper", que gerou a esperada torrente de críticas do PT, produziu silêncio quase ensurdecedor no PSDB. Contudo, FHC continuou na linha do artigo. Já defendera a descriminalização da maconha, e hoje a defende no cinema.

Parar de prender quem fuma maconha é consistente com seu artigo, porque nos dois casos FHC está interessado nos jovens. O ponto principal do "paper" é que jovens, com as redes sociais, seriam o destinatário por excelência de um partido, como o PSDB, que não tem como competir com o PT pelo voto dos pobres. Defender a liberação de uma droga leve, de escassos danos à saúde, muito usada pelos mais moços, vai nessa direção. Enquanto isso, porém, as lideranças de seu partido - que na eleição passada fizeram um triste carnaval em torno do aborto, absurdo esse que Ruth Cardoso e seu marido jamais endossariam - mantêm um discurso vetusto e moralista sobre a maconha. Permito-me exagerar: não dá para defender as redes sociais e ao mesmo tempo ser contra o uso da droga leve. Não estou dizendo que os frequentadores do Facebook, entre os quais me incluo, sejam maconheiros - mas apenas que a liberação de uma droga aparentemente pouco danosa para a saúde, e cuja proibição favorece a organização do crime e a corrupção da polícia, vai na lógica mais ou menos libertária das redes sociais. Em suma, se queremos os jovens, não podemos ser moralistas. Ser moralista parece estar sendo o erro ou o destino do PSDB. Sucede, pois, que, querendo ou não, FHC está sendo levado a ser maior que seu partido. Nada disso ainda está definido, mas é uma forte hipótese.

Tanto é uma hipótese que não apenas presidentes podem perder a popularidade, mas ex-presidentes também podem perder a reputação. Acreditei, por vários anos, que José Sarney exercia bem a ex-presidência (até afirmei: pena que, para ser tão bom ex-presidente, antes teve de ser presidente, cargo no qual foi apenas mediano). Usou sua experiência para acalmar as paixões e ajudar a buscar soluções. Presidente do Senado em 1995, limpou sua pauta - e deixou saudades, até porque foi sucedido por Antonio Carlos Magalhães. Contudo, em 2009, talvez para conseguir que sua família voltasse a governar o Maranhão, desafiou e derrotou pela presidência da Casa Alta o senador Tião Viana, nome apresentado em conjunto pelo PT e PSDB - e a partir daí a imagem de Sarney decaiu muito, junto à opinião pública. Sucessivas denúncias reduziram o patrimônio simbólico que ele construíra depois da presidência da República. O caso é interessante, porque Sarney, que dificilmente seria considerado um dos melhores presidentes do Brasil, perdeu a chance de ser lembrado como um notável ex-presidente. Isso confirma que a ex-presidência não é um fato dado e acabado mas, como a própria presidência, requer um cuidado constante. Não é apenas o presidente que precisa constantemente preservar sua imagem - também, o ex-presidente.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras