Não lembro caso de relação custo-benefício tão boa quanto a campanha eleitoral de Marina Silva, em 2010. Dispondo só de um partido pequeno na Câmara de Deputados, o que lhe dava um minuto e meio de televisão, atingiu 20% dos votos para a Presidência. Quer dizer que, tendo um tempo de propaganda baseado em 2,5% dos deputados eleitos em 2006, Marina multiplicou por oito esse investimento, em retorno de votos. Seu output rendeu oito por um... Já os seus adversários, Dilma Rousseff e José Serra, tiveram retorno bem menor, inferior mesmo a um. E Marina chegou a isso, não mercê das máquinas governamentais federal e estaduais, mas pelo entusiasmo e convicção de seus simpatizantes. Isso é irônico, porque o entusiasmo foi por 20 anos a marca de um PT sem dinheiro para fazer campanhas, e o PSDB nasceu com convicção de combater o fisiologismo do PMDB; mas, hoje, ambos apostam no dinheiro e nas alianças com os ex-inimigos.
Um sucesso, a campanha de Marina. Se tivemos segundo turno, foi porque um quinto dos brasileiros escolheu o verde. Muito se discutiu se Marina deveria ter apoiado um dos finalistas, no segundo turno. Acertou em não apoiar nenhum. Se seu empenho na causa social a levasse a apoiar Dilma, ou seus eleitores de classe média a conduzissem a Serra, ela se tornaria uma linha auxiliar, pessoalmente mais importante que o PCdoB para Dilma ou o DEM e o PPS para Serra - mas, mesmo assim, auxiliar. No entanto, um mês depois da eleição, já não se mencionava sua votação. Ficou, como oposição, a tradicional. Na Câmara, o PV passou de 13 para 14 eleitos, quase nada. Basta lembrar que no pleito de 2006, sem onda Marina, o PV subira de cinco para 13 deputados federais.
Um grande sucesso mas que deixou tudo como estava
Será que o verde amarelou? O PV nada fez para manter Marina nos seus quadros - longe disso. Compreendo que, para os veteranos do partido, o fato de uma enorme votação presidencial não se traduzir em assentos no Congresso tenha sido uma decepção. Entendo também que não quisessem dar a uma novata a liderança do partido. Mas o rumo tomado pelo PV é quase um suicídio. Era o único partido do qual podíamos dizer que representava ideias novas.
Como lembra Claudio Couto, o PSOL pode ser outro partido puro nas suas ideias, mas estas não são novas. Os demais partidos estão comprometidos demais com a defesa de interesses - tanto os dois grandes blocos que se alternam no poder, quanto as agremiações que apoiam ora um, ora outro.
Ora, se o PV opta pela Realpolitik, tende a se tornar uma pequena linha auxiliar do PSDB, participando de seus governos estaduais. Imaginemos então um PT que ejetasse Lula, ou um PSDB que excluísse seus maiores nomes. Eis o PV, hoje. Será difícil ele crescer. É claro que, se Gabeira se eleger prefeito no Rio, em 2012, com o apoio tucano, e o partido de Kassab levar à prefeitura de São Paulo o verde Eduardo Jorge - dois ex-petistas que hoje têm apoio mais dos liberais que da esquerda - as coisas podem melhorar. São dois nomes bons ou ótimos. Mas, salvo surpresas, o PV está em viés de desprestígio.
E Marina? Nos nove meses após seu sucesso, perdeu a chance de conservar uma forte presença política. Atuou, sim, na votação do Código Florestal. Mas fez pouco mais que isso. O ideal verde, hoje, é bem mais que a defesa das florestas. Ele é um estilo, altamente ético, de vida. Retoma a preocupação moral que norteou a criação do PT e do PSDB, mas vai além. O PT queria tornar o Brasil ético, entendendo por isso a justiça social. O PSDB pretendia tornar ético o país, significando com isso o fim da corrupção ou pelo menos do fisiologismo. Já a linha verde quer as duas metas e também um desenvolvimento econômico com valor ético planetário. Não será contra o capitalismo, como a maioria do PT já foi, nem quererá o desenvolvimento mesmo a alto custo, como nossos dois grandes partidos, mas defenderá um desenvolvimento capitalista não predatório. Isso precisa ser inventado. Seu ideal é audacioso: o exemplo é o da água que a indústria devolve ao rio, tão limpa como entrou. Quer dizer: que o uso humano dos recursos planetários lhes cause o menor dano possível e, com o avanço da ciência, um dia até os melhore. Estamos a mil léguas do uso de combustíveis fósseis, da predação dos minérios, do aquecimento global. É uma utopia, mas com forte base na ciência - e, o que é raro na história das utopias, nas ciências da vida mais que nas ciências humanas.
Esse projeto não se choca diretamente com as ideologias. Não divide as pessoas em direita e esquerda, em mundo do trabalho e do capital, em movimentos socialistas e liberais. Por isso, é um movimento simpático. Mas é exigente. Requer uma mudança radical do nosso trato com a natureza e também com o ser humano. Para isso, o que falta? A tradução da linguagem científica, que é um de seus pontos fortes, em convicção moral. Disse Al Gore: nos Estados Unidos as grandes causas políticas só triunfaram ao se converter em causas espirituais - a abolição da escravatura, o fim da segregação racial e, espera-se, a ecologia. Para traduzir a ciência e a política em valor ético, tivemos Gabeira, com influência importante mas socialmente limitada, e Marina Silva, com o impacto que as urnas revelaram. Mas é esse trabalho de conquista das mentes, bem maior que a conquista de uma secretaria, que poderá levar a uma mudança significativa, talvez a maior em nossas vidas. Depende ele de uma liderança pessoal? Como se criará uma nova mentalidade? Quando surgiu o PT, lembro uma amiga que dizia pertencer a um outro PT, o "Partido da Terra", o planeta. Pois é.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
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