Renato Janine Ribeiro
Valor Econômico, 30/1/2012
Há um traço curioso na sociedade brasileira: a maior parte das pessoas se orgulha de seus Estados. Num passado recente, passamos por um período de sérias crises econômicas e políticas, no qual se alternavam o orgulho e a vergonha de ser brasileiro. Ele findou graças em parte ao fim da inflação (governo FHC) e em parte ao avanço da inclusão social (governo Lula). Orgulhávamo-nos do país no futebol e nos envergonhávamos da inflação e muitas outras mazelas, a começar pela corrupção que, aliás, disputa com a miséria o título de maior vergonha nacional. Mas esse movimento ciclotímico, como era chamado, reduziu-se. Com a estabilidade monetária e os avanços sociais, ficamos mais estáveis em nossa nacionalidade, que hoje vivemos melhor do que na fase de inflação recrudescida, digamos, os quinze anos de 1979 a 1994. Tivemos um forte pessimismo em relação ao Brasil. Mas o curioso é que mesmo nos períodos máximos de instabilidade em escala nacional, no plano que os militares denominavam “psicossocial” (palavra que felizmente sumiu do vocabulário!) não foi ameaçado esse orgulho de que falei acima – um orgulho estadual. O Brasil podia gerar otimismo ou, em maior dose, pessimismo, a partir de suas realizações ou fracassos, mas os Estados passavam – e passam – incólumes por seu sucesso ou insucesso. Gostamos deles como são.
Isso é ainda mais curioso porque os Estados significam pouco, do ponto de vista do poder, num país cada vez menos federalista e mais unitário. Na verdade, a tradição que a colônia nos legou foi a da autonomia dos municípios, não das – então – capitanias. Pouco após a independência, foram criadas assembleias legislativas nas províncias, mas o poder executivo, nelas, era exercido por nomeação do governo sediado na Corte. Só com a República tivemos autonomia dos Estados – e, por razões difíceis de entender, talvez por importação de costumes norte-americanos, talvez para se contrapor ao centralismo imperial, ela foi exagerada. Basta ler o que Erico Veríssimo escreve sobre as guerras civis gaúchas da República Velha: enquanto tropas de um lado e outro se matam, as guarnições federais permanecem neutras. Hoje, é impossível imaginar que haja uma rebelião contra um governador e o Exército apenas assista, impassível, aos combates.
Desde 1930, vemos um gradual mas constante fortalecimento do poder federal às custas dos Estados. Nos períodos ditatoriais, com Getúlio Vargas ou sob o regime militar, obviamente foram afastados os governantes estaduais que divergissem do poder central. Mas mesmo nos períodos democráticos, como o que vivemos ininterruptamente desde 1985, as competências dos Estados diminuem. Enquanto o controle central se exercia, nas ditaduras, pela força, hoje ele passa pelo papel predominante da política econômica. Esta é competência da União, e determina quase tudo o que se pode fazer na Federação. Daí que a situação dos Estados se torne paradoxal. Por um lado, ser governador ou senador é importante. Aliás, uns e outros, escolhidos em eleições majoritárias, costumam trocar de posições. O Senado é uma casa de ex- ou futuros governadores – ou, pelo menos, eles assim se veem. Não é fortuito que o Senado seja tão mais importante que a Câmara. Lá, os Estados ou seus imaginários futuros ou passados governantes falam alto.
Mas, por outro lado, no poder legislativo brasileiro, haverá órgão menos importante do que as assembleias estaduais, justamente as únicas que portam “legislativo” no nome mas, estranhamente, têm menos assuntos para regular sob forma de lei? O Congresso legisla sobre praticamente todos os assuntos. As Câmaras Municipais decidem o plano diretor e podem regular qualquer tema que afete a vida cotidiana, o que é muita coisa. Aos deputados estaduais, pouco resta. Algumas assembleias fazem esforços enormes de imaginação para ocupar um espaço político. É digno de nota que a assembleia do Rio de Janeiro seja, das 28 que há no Brasil, a que maior presença tem; realiza eventos e até dispõe de uma sigla conhecida de todos os fluminenses, Alerj. Nos demais Estados, a sigla é só para iniciados; no Rio, todos sabem o que é. É curioso que a popularidade da Alerj – onde foram, em junho de 2011, se manifestar os bombeiros revoltados contra o governo local – subsista embora o governador, como mostrou o “Valor”, tenha reduzido a oposição a menos de 15% das cadeiras. A Câmara Distrital de Brasília é outra exceção, pois soma às competências estaduais as municipais e por isso conta com muitos assuntos para legislar. É só. Um vereador de capital perde em importância ao se tornar deputado estadual, a não ser que mostre, como os verdes Carlos Minc e Aspásia Camargo (não por acaso, ambos verdes, ambos do Rio), muita criatividade.
Então, por que o orgulho? Um Estado como o Rio Grande do Sul, que há anos enfrenta uma crise econômica e fiscal, é um dos mais altivos quanto a seu modo de ser. E eu, que já estive em praticamente todas as Unidades da Federação, senti em todas elas o orgulho de sua comida, de seu falar, de sua alegria – ou de sua seriedade. Evidentemente, há quem não compartilhe esse orgulho, mas falo de um sentimento majoritário. O curioso é que esse nativismo tardio mal tenha tradução política. É um fenômeno social forte, mas que não resulta em união pelo Estado, em posição única ante os problemas que enfrente, em nada disso – salvo em casos extremos, como o dos royalties que alguns Estados recebem pelo petróleo no mar. Por que será? Será justamente porque, do Estado, não esperamos política econômica e então podemos ser, gostosamente, bairristas?
Na verdade estas unidades de federação são uma cópia mal feita dos estados norte americanos, pois o poder em nosso país é centralizado, e como no texto está escrito, "deixa muito pouco para ser legislado nos estados, podendo culturas tradicionais destes serem interpretadas como condutas inconstitucionais.
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