Por Renato Janine Ribeiro
Valor Econômico, 2/4/2012
A política do PT para o futuro depende do cargo de Dilma Rousseff e da disposição de Lula. A saúde do ex-presidente é essencial para ele continuar atuante na política; isto é óbvio; menos óbvia, mas real, é a dependência de seu partido em relação a ele. E a Presidência da República é o que garante, ao partido, a liderança na política brasileira, ante o risco que representam, não tanto o PSDB, mas cada vez mais os aliados PMDB e PSB. Os dois são capazes e talvez dispostos, a um sinal de fraqueza do PT, de abrir fogo amigo sobre ele.
Na verdade, o PT sempre dependeu muito de Lula. O partido mais de massas de nossa história contou e conta com um líder cujo carisma tem raros paralelos na mesma história. Aquilo, no PT, que é articulado, organizado e racional se equilibra com o fator emocional, não racional (o que não quer dizer irracional), que está no impacto afetivo do ex-presidente sobre a maioria dos brasileiros. Mas agora o papel de Lula é diferente do que teve no longo preparo para chegar ao poder. Isso porque o PT faz alianças. E quem as concebe, articula e assegura é, justamente, Lula. Mais, até, do que sua sucessora.
Hoje, o futuro do PT está em suas alianças. Mas durante metade de sua vida o PT foi avesso a elas. Porque representam compromissos. Ele, um partido diferente de todos os demais, só as admitia quando fossem em seus próprios termos. Por isso, seus aliados eram partidos pequenos, como o PCdoB. Contudo, entre a derrota de 1998 e a vitória de 2002, Lula decidiu que, para chegar ao poder, era preciso aliar-se a partidos maiores. O PT teria que ceder-lhes mais do que fazia. Isso demorou a se tornar realidade; em 2002, o PMDB se coligou com José Serra e, em 2006, não apoiou ninguém. Mas, com o tempo, alianças se efetivaram. Não há nada de errado nelas. Uma política democrática exige negociações, acordos, concessões. O problema maior em nossa vida política é que um estoque razoável de partidos e políticos apoiará qualquer governo, de direita ou de esquerda, desde que lhes seja vantajoso. Sem os votos desse "centrão", não haverá maioria parlamentar. Portanto, simplesmente para que o governo governe, ele precisa ceder. A menos que alteremos a Constituição, assim é e assim será.
Lula esvaziou o PT deliberadamente nos Estados
O problema imediato não é este, que para mudar exigiria uma reforma constitucional quase impossível de se aprovar. O problema próximo de nós é que essas alianças dependem de Lula - e, agora, de sua saúde. Vejamos. Em 2002, o PT venceu o pleito presidencial, em parte porque o governo de FHC findou em crise, em parte porque Lula se moderou e se cuidou. Mas, nos Estados, o PT teve desempenho pífio. Elegeu poucos governadores, nenhum deles em Estado importante. Foi uma surpresa que o PT chegasse à Presidência antes de eleger número razoável de governadores, mas este podia ser apenas um acaso. A situação, porém, repetiu-se em 2006. Consolidou-se um padrão. Já em 2010, Lula nem tentou mudar esse quadro. Surfou nele. Simplesmente abriu mão de candidaturas petistas ao governo de vários Estados e ao Senado, em prol de alianças que construiu, sobretudo com o PMDB e o PSB. O resultado foi quase triunfal. O PSDB se esvaziou no Senado e perdeu governos. Conservou São Paulo e Minas Gerais, as principais unidades federadas, mas no resto do país se enfraqueceu. A oposição tradicional (chamo-a assim, porque ainda creio que possa haver uma oposição nova, verde, defensora de uma economia sustentável) está quase mais forte em parte da imprensa do que entre os eleitos. Quase.
O que comprova a tese de que essa foi uma decisão consciente de Lula - esvaziar candidaturas do PT nos Estados para esvaziar possíveis vitórias do PSDB - é que, enquanto isso, o PT avança nos municípios. A cada eleição, faz mais prefeitos. Continua sendo um partido forte. Basta ver que dificilmente perde - ou ganha - parlamentares. Poucos são os eleitos pelo PT que deixam o partido. Raros são os eleitos por outra agremiação que migram, no exercício do mandato, para o PT. Essa é uma solidez, na entrada e na saída, que poucos partidos demonstram em nosso país.
Mas, se ele assim progride no âmbito municipal, sua fraqueza estadual o deixa vulnerável. Quem monta as alianças, com seu carisma, é Lula. O que as assegura é o fato de estar Dilma Rousseff na Presidência da República. Se Lula não continuar atuando, as alianças se irão. Se o partido perder a chefia do Executivo federal, idem.
Em outras palavras: o Brasil tem curioso equilíbrio dos Poderes. Não é só o americano, entre Executivo, Legislativo e Judiciário - embora esse exista, e as derrotas do governo no Congresso mostrem que funciona. Mas o principal é o equilíbrio de forças: o PT tem o Poder Executivo na União, enquanto o PSDB continua forte, governando os dois principais Estados e, por seu peso em parte da mídia, mantendo a hegemonia ideológica. O resto está essencialmente com PMDB e PSB. Isso significa que, se em 2014 os tucanos ganharem a Presidência, pouco restará ao PT. Neste caso, a política que Lula comandou, no sentido de aliar-se com partidos de centro, terá deixado frágil o PT, porque sem a Presidência que poder terá ele? Um sinal disso é a situação vulnerável em que ficou o partido na cidade de São Paulo. Tudo ainda pode mudar mas, por enquanto, a tão decantada intuição de Lula, ao escolher Fernando Haddad como candidato por ser um nome novo e de pouca rejeição, não deu certo. Pior, a tentativa de forjar uma aliança com o prefeito Kassab custou caro em credibilidade, a Lula e ao PT. Talvez fosse bom o PT não depender tanto de um líder e de um cargo.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
Nenhum comentário:
Postar um comentário