Renato Janine Ribeiro
Temos tendência, nós que analisamos a política, a dar importância demais a ela: ficamos falando de Palocci, Temer, Gleisi, por exemplo. Recentemente, escrevi um livro em diálogo com Mario Sergio Cortella ("Política: para não ser idiota"), no qual eu e sobretudo ele lembramos que quem não participa das decisões - por exemplo, no condomínio - deixa os outros decidirem por ele. Contudo, se a maior parte das pessoas dá pouca atenção à política, elas têm razões para isso. Não é fortuito que, cada poucos anos, muitos tomem ruas e praças para fazer que elas sejam, mais que logradouros, lugares públicos. Assim, depois de aqui ter comentado a Plaça de Catalunya e o clamor por uma democracia mais real do que a existente, passo a uma lista de propostas formulada por cidadãos reunidos na Plaza del Sol, em Madri, que conheci graças à artista Ângela Lago. Podem ser lidas na internet, sob a chamada "Las propuestas aprobadas en la asamblea de la protesta de Sol".
Começo pela ideia mesma de praça. Os atenienses a chamavam de ágora, o lugar em que decidiam as questões de interesse comum, quase toda semana. Nosso poeta abolicionista e romântico, Castro Alves, cantava que "a praça é do povo, como o céu é do condor". Há poucas décadas, as pessoas se reuniam nas praças, para bater papo e fazer o footing, prelúdio ao flerte e ao casamento. Isso sumiu. Por isso, quando na Espanha as praças são ocupadas - por jovens mas também gente madura e mesmo idosa, o que muitos não percebem, quando pensam que é uma rebelião da juventude -, esse é um voto de esperança numa vida coletiva melhor. Mas é um avanço que exige romper com a política tradicional.
Ética na política parece ser um apelo mundial
Vamos às propostas. Começam pela política: reduzir mordomias, baixar os proventos dos parlamentares ao salário médio do cidadão espanhol, em suma, moralizar. Há também medidas tão inovadoras que espantam, mas merecem debate: por exemplo, reduzir as horas de trabalho para diminuir o desemprego, até ele cair a 5% (a Espanha já passou até dos 20%). Há ao menos uma proposta que não entendi, mas acho fascinante: que também os votos nulos e em branco estejam representados nos legislativos. Não sei como isso se faria e, para quem se interessa por um sistema governável, com maiorias estáveis, trata-se de um absurdo. Mas muitas vezes chamamos de absurdo ou impossível o que é, simplesmente, (ainda) impensável. E depois, alguns desses absurdos se realizam, como a abolição da escravatura ou a igualdade dos sexos, a ponto de se inverter o que era e o que é insensato.
Mas a grande questão que vejo nas propostas, além de mais uma vez a imaginação tentar ganhar o poder (como em 1968), é a exigência de moral na política. Absurdo não é o que pedem: é o que existe. Faz sentido haver muitas casas vazias e muitos sem-casa, problemas fiscais e creditícios enquanto bancos espanhóis investem em paraísos fiscais etc? Aqui, é bom lembramos por que chegamos a isso.
A modernidade ou o capitalismo, que são quase sinônimos, têm como chave de seu sucesso - neste meio milênio - a construção de um sistema em que, para termos bons resultados sociais ("benefícios públicos"), não precisamos ser indivíduos decentes e morais. É possível até mesmo o contrário: que sejam mais produtivos os "vícios privados", que Mandeville estuda já em 1714. Construímos uma sociedade próspera, a mais rica da história, a que tem a maior expectativa de vida (hoje, o dobro de 1900), a mais livre (nunca tantas pessoas puderam divergir entre si e do governo), partindo daí: renunciamos a que todos sejam bons e apelamos às paixões, afetos, desejos e mesmo vícios de cada pessoa. Os exemplos de Mandeville, que o professor Ari Tank Brito, da UFMT, e eu estudamos, são até engraçados: as prostitutas de Amsterdã, que o governo puritano tolerava para evitar que os marinheiros atacassem as mulheres "decentes", e o ladrão que roubava um monge, fazendo um ouro entesourado e inútil circular e produzir. Mandeville tem enorme simpatia pelo papel social das prostitutas e ladrões.
Antes disso, vigorava a convicção de que, para um país ir bem, seu rei devia ser bom, isto é, ser um bom cristão, maometano ou, ainda, de outra religião. Já, se apelarmos às paixões (Hobbes, Espinosa) ou mesmo aos vícios, fica mais barato produzir a vida social e política. Ela exige menos. E não nos impõe um único modelo moral ou religioso. O problema é que isso funciona mais ou menos assim: para gerar o benefício, use o vício. Para baixar a inflação, aumente os juros. Nada disso faz sentido, à primeira vista. Os cientistas nos explicarão que faz sentido, sim - mas talvez se tenha ido longe demais nesse contraste entre os meios e os fins.
Aqui está o problema: e se tiver chegado a hora de casar melhor meios e fins, de fazer que o bem público resulte do bem privado? Para a expansão econômica e a construção da política moderna e democrática, o recurso a paixões e vícios foi eficaz. Mas, quando foi alcançado muito do que se pretendia, aumentando a prosperidade e liberdade no mundo, e entra em jogo a vida do próprio planeta, parece ser mais pertinente que cada um faça o bem. O caso por excelência, que talvez seja a chave da política em que estamos entrando, é o da ecologia. A vida em conjunto não melhora se cada um desperdiçar mais água. "Pequenas mudanças geram grandes mudanças", diz-se. A busca do interesse próprio, que resultou em produtos bons e baratos, pode estar-se tornando cara demais - porque dilapida recursos naturais, desemprega e sabe-se lá o quê. Não sugiro, aqui, soluções. Mas penso que por aí está mudando nosso modo de pensar.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
E-mail rjanine@usp.br
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