segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A internet não é tão democrática


Renato Janine Ribeiro
Valor econômico
15/08/2011

Sou fã da internet. Graças a ela, confiro datas, citações e muito mais, cada vez que escrevo. Descubro autores e ideias novas. Tenho, claro, que tomar cuidado com o que leio, porque há informações sem conhecimento, afirmações sem base. Mas também acho democrático que a rede permita difundir valores que antes não tinham lugar. Um jornal é um produto caro, por seus custos industriais e de distribuição. Daí que seja difícil fazer um jornal, como antes se dizia, alternativo. Já um blog pode ser barato - e servir de contraponto aos jornais maiores, expondo valores diferentes (como os blogs de esquerda fazem, no Brasil), oferecendo análises, algumas delas boas, ou, ainda, produzindo informação própria (o que é o mais raro - só lembro o caso de Geisy Arruda, revelado pelo Boteco Sujo).

Mas a maior esperança que muitos tiveram, inclusive eu, foi que a internet se mostrasse uma grande ágora, o espaço de uma cidadania global, um fórum de democracia quase-direta. A palavra grega - que significa a praça onde os cidadãos deliberam sobre assuntos públicos - parecia caber perfeitamente ao terreno virtual, em que todos adquirem igual cidadania e debatem temas de interesse geral. Ao pé da letra, a internet é republicana, porque abre lugar para a "res publica", a coisa pública. Assim, quando concorri à presidência da SBPC, em 2003, criei uma página na Web para a campanha; ela até surtiu efeito, pois tive uma boa votação (tratei do assunto em meu livro "Por uma nova política", Ateliê editorial).

Rede facilita a pressa e a intolerância

Ora, o que lamento é que, ao contrário do esperado, o espaço virtual exponha pouca divergência e pouca reflexão. Quase sempre, escreve num blog quem compartilha as ideias do blogueiro. Esse é o primeiro problema. A internet é democrática porque torna mais fácil surgir a divergência, limita o quase-monopólio da mídia tradicional, impressa ou não - mas a divergência que ela admite está no confronto entre os sites, não dentro de um site que seja, ele mesmo, democrático. Ou seja, a internet é democrática porque encontramos URLs para todos os gostos - mas não porque algum portal abrigue uma discussão inteligente sobre um assunto de relevo. A democracia dela está em que os vários lados têm como e onde se expressar. Mas não está na tolerância. A internet é democrática na luta entre os sites - não dentro deles, embora alguns tentem, heroicamente, fazer funcionar a democracia do debate e do respeito mútuos.

Os leitores são mais radicais, às vezes, que os próprios blogueiros. Vejamos o blog de Luis Nassif que, por exemplo, não esconde seu respeito pelas "raposas políticas" mineiras e publica posts de quem diverge dele. Só que os comentários dos leitores estão, na maioria, divididos entre a condenação, a ridicularização e a acusação. O debate esquenta, mas isso não quer dizer que os leitores respeitem a opinião alheia. Isso também acontece em órgãos da imprensa. É comum os leitores radicalizarem a posição do jornal ou do blog.

Até aqui, discuti o caráter pouco democrático - considerando um aspecto fundamental da democracia, que é o respeito ao outro, a liberdade de divergir - da internet. Mas há outro ponto importante. É que a democracia funciona melhor quando ela é produtiva. Em outras palavras, se a democracia não melhorar as condições de vida mas, ao contrário, piorá-las, nosso apreço por ela dificilmente se manterá. É triste lembrar isso, mas a democracia não é fim em si. Quando a República de Weimar levou a Alemanha a um impasse, deu no nazismo. Os constitucionalistas aprenderam com isso e as constituições recentes evitam ao máximo as falhas que permitiram o advento do regime mais criminoso da história moderna.

A questão, então, é: a internet, enquanto espaço em que se exprimem diferentes opiniões, não tanto no interior de cada unidade sua (portal, blog, site), mas delas entre si, é produtiva? Ela gera ideias novas, propostas, mudanças? Receio que pouco. Noto isso pela fraqueza da argumentação. É frequente haver comentários que são reações epidérmicas irritadas, imediatas, mais do que um pensamento. Nada proíbe as pessoas de se exprimirem. Nada as obriga, também, a pensar. Mas, quando se torna fácil divulgar urbi et orbi o que cada um acha, muitos sentem que é mais fácil escrever do que ler.

Hemingway dizia, de um desafeto: "He is not a writer. He is a typist". Pois há pessoas que não escrevem, digitam. Ou que escrevem sem ter lido o assunto em pauta e, pior, emitem julgamentos peremptórios. Recentemente, notei isso quando postei no Facebook um artigo de um analista que respeito, colaborador aqui no Valor, e algumas pessoas o atacaram severamente. Direito delas. Mas uns três confessaram só ter lido minha chamada de 420 caracteres, não o artigo que estava linkado. Ora, como se pode julgar algo ou alguém sem ler? Por espantoso que pareça, esse pequeno fato transmite a impressão de que é mais fácil escrever do que ler. Fácil, talvez seja; mas não quer dizer que seja melhor. Sempre houve mais leitores do que escritores. A internet inverte esse dado, talvez, mas ganha-se com isso? É perigoso quando as pessoas nem escutam direito o pensamento dos outros.

Em suma, o que falta para a internet ser o tão almejado espaço de criação democrática de ideias e projetos? Primeiro, o respeito ao outro. Segundo, uma argumentação racional. Não basta reagir com o fígado. Talvez, terceiro, seja preciso tempo: ler com atenção, refletir, só depois postar. A internet favorece a imediatez. Isso não ajuda a amadurecer o pensamento. Mas ela continua sendo uma arma poderosa, notável. Só que é preciso melhorá-la, e muito.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

E-mail rjanine@usp.br

5 comentários:

  1. Sim, sim e sim.
    Exemplo de reacao epidermica aconteceu recentemente comigo: postei no Facebook que estava gostando de ver o Primeiro Mundo tremer sob o fantasma da quebradeira geral, e fui chamada da "ressentida" por alguem que alegou que "os ricos quebram e continuam a comer caviar, enquanto os pobres pagam o pato e nao comem nada".
    Ao inves de estimular a discussao, ele, o comentarista-auto intitulado anarquista, emudeceu-a.
    Quanto ao cerne da sua questao aqui exposta, ruminarei. Eh algo que muito me interessa.
    Se tiver tempo, conheca o meu blog, acho que poderiamos bater uma bola, como se diz. www.adrianainthesky.blogspot.com e www.fotolog.com/ave_palavra
    Um abraco.

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  2. "regime mais criminoso da história moderna". Só um ignorante, que não conhece nada da história para fazer uma afirmação dessas! O regime mais criminoso de toda a história da humanidade se chama comunismo ateu! Um regime do vale tudo, que por não ter qualquer esperança além desta vida, só na Russia e na china matou mais de 150 milhoes de pessoas! Hitler perto de Lenin, Stalin, Mao, é coisa de criança! Qual regime que mais impôs censura, controle, eliminando quem discordasse? Qual ditadura matou que a cubana? No Brasil reclamam de uns 200 e poucos terroristas mortos, em Cuba Fidel matou só uns 40 mil! Ah, eu esqueci... ditador de esquerda pode matar...

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  3. Perfeita a sua colocação, Renato!
    Aliás, vc escreveu tintim por tintim o que eu já pensava a respeito, mas, que, ainda, não tinha concatenado nas minhas idéias! rs
    O fato de se escrever mais do que se ler, é fato! Simplesmente, porque as pessoas preferem ser ouvidas do que ouvir... e assim será por todo o sempre, Amém!... Aposta ou teima? rs
    Há muito percebi, que mais de 4 linhas, cansa a beleza da maioria, e além do mais, perderiam tempo em analisar, sintetizar, racionalizar, pra depois, então, opinar... e aí estariam perdendo um precioso tempo pra serem ouvidos, que é o que a maioria prefere! Todo mundo se acha dono absoluto da verdade, e se nem querem olhar pra dentro de si mesmos, o que dirá se permitir adentrar nas idéias alheias... rs Democracia pra maioria é uma "ditadura velada", que nada mais é do que "façam o que eu penso", e eu jamais saberei o que vcs pensam.... pq, afinal, dá um trabalho dos infernos!!... Estamos combinados, assim?
    Pois é... mas não é isso mesmo? rs
    Sem falar nos "espíritos de porco" cuja missão nesta vida, é só discordar, discordar, e às vezes, contrariar, é claro!! rs
    E vamos que vamos...
    Tou te seguindo.
    Foi um prazer ler vc!
    Helô

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  4. As pessoas não tem esse preparo para um debate intelectual; tampouco não se exige delas isso para que se insiram em debates de internet. Onde se constrói essa educação? sim, pois essa postura há que se aprender nas escolas a meu ver.

    A cada dia mais que navego, percebo que a internet é um espaço para se descobrir uma determinada via de conhecimento mais profundamente, ao invés de contrastá-la com diferentes pontos de vista. A internet fomenta a superespecialização para os interessados e a superficiliazação para os leigos que se arvoram em qualquer discussão.

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  5. É, Renato, "debater é trair-se":

    Quando o assunto é debate, costumo perguntar: “Em um debate, você é fiel a que?”. E geralmente obtenho a seguinte resposta: “Sou fiel às minhas ideias”. Eis o equívoco, pois isso já não seria um debate, mas sim um combate. Em um debate deve haver fidelidade à verdade e nada mais. Seu objetivo é produzir mais conhecimento e não a vitória desta ou daquela parte. A melhor postura a se adotar então é a de infidelidade para consigo mesmo. Se quisermos bem debater, teremos que ser infiéis a nós mesmos, às nossas próprias ideias. O apego a estas é nefasto.

    http://inquilinosdoalem.blogspot.com/2011/02/debater-e-trair-se.html

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