O mestrado profissional é uma bonança para as empresas, organizações do terceiro setor e instituições públicas. É um dos melhores cursos para capacitar os futuros dirigentes da economia, do Estado e da sociedade. Mas preciso explicar concisamente seu lugar na pós-graduação stricto sensu, que se distingue porque é avaliada e tem selo de qualidade conferido pela Capes, enquanto a pós-graduação lato sensu, maior em cursos e alunos, não passa por crivo análogo. Por isso se afirma que a pós-graduação stricto sensu, composta de mestrado e doutorado, é o único nível de ensino em que o Brasil pode se orgulhar de enfrentar a comparação internacional.
O mestrado se diferencia, desde 1998, em acadêmico e profissional. O mestrado acadêmico, que titulou 35 mil alunos em 2009, visa a formar um pesquisador que geralmente trabalhará no ensino superior ou num centro de pesquisa. Na verdade, espera-se que o mestre acadêmico prossiga até o doutorado, que completaria sua formação de pesquisador. Enquanto não chegar lá, ele está incompleto.
Assim, lembrando que um doutoramento demora de quatro a cinco anos, em tese o número de mestres formados no ano X deveria igualar-se ao de doutores titulados em X+5 (por exemplo, os mestres acadêmicos de 2000 deveriam estar se doutorando em 2005). Mas não é assim. Possivelmente se doutora apenas entre um terço e metade dos mestres acadêmicos. Já o mestrado profissional é um produto terminal, concluído. O mestre profissional, como o acadêmico, faz pesquisa durante os estudos - mas, ao contrário do acadêmico, pode parar aí. Sua meta é conhecer a importância da pesquisa na sua profissão, aprender onde encontrar a pesquisa futura e a aplicá-la em seu ofício: localizar a ciência e a tecnologia novas e convertê-las em inovação. Os dois mestrados têm metas distintas. O problema é que, se metade dos mestres acadêmicos não completa o doutorado, também para esses o mestrado acadêmico é um produto profissional.
O equívoco é fazer do mestrado profissionalizante e do acadêmico dois cursos diferentes, quando deveriam ser dois títulos
Alguns pesquisadores sustentam que todo mestrado deveria ser profissional, ao menos em certas áreas. José Ricardo Bergmann, vice-reitor acadêmico da PUC-Rio, defendia isso para as engenharias. Aliás, o mestrado profissional (MP) não precisa ser inferior ao acadêmico (MA). Muitos MAs se limitam à revisão da literatura ou a um resumo de textos. Já o MP deve exigir não apenas o domínio da literatura científica, mas sua aplicação a um problema específico que assim seja resolvido. É verdade que a Capes, desde a gestão Abílio Baeta Neves, tenta aumentar o MP, mas com resultados ainda insuficientes. Como diretor de avaliação da Capes (2004-8), empenhei-me nisso, começando pelo seminário Para além da Academia: a Pós-Graduação a Serviço da Sociedade e concluindo com o grupo de trabalho da professora Dora Dessen, cujas contribuições foram aproveitadas numa portaria ministerial de 2009 que estimula o MP - embora, a meu ver, com exageros.
Mas o fato é que o MP cresce bem menos do que é desejado e necessário. Em 2004 se titularam 1.903 mestres profissionais e, em 2009, 3.102: expansão significativa em termos absolutos, pequena em termos proporcionais. Falta muito para que, em sua maioria, as engenharias, tecnologias e ciências aplicadas formem MPs - podendo, depois, os que tiverem vocação de pesquisa prosseguir para um bem-vindo doutorado.
Por que essa dificuldade de avançar num rumo que a agência de avaliação e fomento da pós-graduação, a Capes, tanto deseja? Há um óbice fundamental, que nenhuma pressão da diretoria da agência ou do MEC vai resolver. O incentivo ao MP não deu os frutos almejados. De 2004 a 2009, embora aumentasse o número absoluto dos MPs, em termos proporcionais o MP passou de 7,1 a 7,9% do total de mestrados defendidos, e isso apesar de todo o empenho da presidência da Capes e sua diretoria de avaliação e, mais recentemente, de uma portaria do ministro da Educação. Por quê?
Primeiro, para se aprovar um curso de doutorado, pesa mais se ele for o desdobramento de um curso de mestrado acadêmico (e não profissional). Ora, ter um curso de doutorado permite que um centro universitário se torne universidade, o que lhe confere várias prerrogativas, inclusive a de criar cursos de graduação sem prévia permissão ministerial. Pelo menos um bom MP de administração foi assim convertido em acadêmico, para depois se aprovar o respectivo doutorado e o centro universitário virar universidade.
O segundo problema é que, se nada impede um programa de pós-graduação de ter um curso de MP e um de MA, isso duplica o trabalho burocrático na gestão dos dois - que terão alguns professores, disciplinas e produção em comum e outros, separados. Haja fichas a preencher, políticas diferentes e mesmo opostas a conduzir...
O que fazer? Avaliando as políticas que ajudei a desenvolver, entendo que houve não digo um erro, porque aprendemos com ele, mas um rumo que deve ser revisto. O equívoco é fazer de MP e MA dois cursos diferentes, quando deveriam ser dois títulos. Em vez de dois processos, dois produtos. Basta um único curso de mestrado, que formará quer mestres acadêmicos, quer profissionais. Num curso de engenharia ou administração, se tenderá a formar mais MPs; em filosofia, mais MAs. Mas isso não precisa estar engessado na estrutura do curso, nem mesmo na seleção dos alunos. A formação será mais rica se o aluno puder, ao longo da pesquisa, perceber qual trabalho será mais adequado a ele.
Obviamente, cada área fixará suas prioridades. Na minha área, a filosofia, que é muito teórica, MPs podem ser traduções comentadas de clássicos ou a redação bem fundamentada de códigos de ética para empresas ou organizações. Isso pode ser mais difícil do que estudar uma passagem de Aristóteles, porque o autor de um código de ética precisará ter passado pelo grande filósofo grego... Por isso mesmo, o MP não pode ser uma solução barata para a obtenção do título de mestre. Daí, detalhe importante, que não se justifique a pressão do governo para concluir o MP em dois anos: seu aluno tem menos tempo livre, pois geralmente já está no mercado de trabalho, ao passo que muitos dos mestrandos acadêmicos estudam em tempo integral, com bolsa.
Isso simplificaria o sistema, tornando-o também mais eficiente na formação de recursos humanos qualificados. A burocracia cairia. Hoje, certos cursos de MP nem sequer são ministrados todos os anos, por falta de alunos. Isso acabaria. Também poderia acabar o preconceito contra o MP. A definição do tipo de mestrado a defender estaria ligada ao desempenho do aluno, em vez de preceder sua seleção. A educação pós-graduada faria mais jus a seu nome, porque educação quer dizer possibilidade de crescimento, de mudança, de alteração de rumos. Sobretudo, conseguiríamos fazer que um grande número de profissionais, que, a despeito da expansão das universidades, não terão emprego em todas elas, ajudem o Brasil melhorando a qualidade do setor produtivo, da administração pública e do terceiro setor. E isso pode ser obtido simplificando-se, e não se complicando, o sistema.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo
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