Por Renato Janine Ribeiro
Valor econômico, 14/11/2011
Por que o governo não dá a merecida importância a ministérios como Esportes, Turismo - que foram moeda de troca na composição da aliança no poder e talvez por isso tiveram seus ex-titulares acusados de malfeitos - e Cultura, cuja ministra é criticada, pelos artistas, por um desempenho que não lhes agrada? São três Pastas pequenas e secundárias na Esplanada, mas portadoras de um enorme futuro. Tudo indica que, em poucos anos, o aumento do lazer, inclusive criativo, a preocupação com a saúde e a difusão do hábito de cuidar do corpo vão gerar um grande boom, econômico e social, na cultura, nos esportes e no turismo. Por que, então, figuram eles no final da hierarquia dos ministérios? Por que essa miopia dos governantes - e aí incluo os estaduais e municipais?
Esportes e Turismo estão entre os ministérios cujos primeiros titulares no governo Dilma foram acusados de corrupção. A ministra da Cultura foi chamada de inepta. Tenham ou não razão os seus críticos, essas Pastas sempre ficaram em segundo plano. Cultura teve alguns grandes ministros, a começar por Celso Furtado, mas nunca muito dinheiro. Mas será nesses ministérios, e alguns outros, que muita coisa boa poderá nascer no futuro próximo. Então, ou o governo passa a priorizá-los - ou vamos perder grandes oportunidades.
Esses setores têm potencial de riqueza econômica. Nos esportes estão hoje dois eventos de alcance mundial, a Copa e os Jogos Olímpicos. Mas, para além das efemérides, o fato é que, quanto mais as classes médias e a sociedade em geral queiram ter maior prazer com seu corpo, maior "wellness", palavra ainda sem tradução mas que designa um bem-estar intensificado, mais crescerá a área de Esportes. Isso abre perspectivas inéditas para os ministérios e secretarias, estaduais e municipais, da área.
Governo despreza as Pastas de maior futuro
Turismo é outra Pasta que às vezes serve, como Esportes, para fazer alianças a baixo custo com partidos ou líderes a quem você não teria coragem de dar a Fazenda, a Justiça ou a Casa Civil. No segundo governo Lula, foi o prêmio de consolação a Marta Suplicy por não receber a Educação - e ela fez uma boa gestão. Contudo, politicamente é um ministério fraco, até porque notícias a respeito saem no caderno de Viagens e não no de Política... Mas cada vez mais o prazer de viajar estará na ordem do dia. Não por acaso, quando Mares Guia ocupava a Pasta, no primeiro governo Lula, seu amigo Claudio de Moura Castro propôs medidas em favor do ecoturismo, do turismo radical e de outras formas de prazer, digamos, "de ponta".
Ao contrário de Esportes e Turismo, a Cultura não serve de moeda de troca partidária - ou porque se tem mais respeito por ela (improvável), ou porque se vê menor chance de negócios. Mas costumo cotejá-la com Ciência e Tecnologia. São dois ministérios refinados, que lidam com assuntos de qualidade. Contudo, embora haja bem mais artistas do que cientistas no Brasil, o MCT é mais rico que o MinC. Por quê? Porque os cientistas são organizados. Unem-se. Pressionam. Embora biólogos e físicos praticamente controlem a politica científica, também as outras áreas conseguem seu quinhão. Já na Cultura, é difícil. A criação é muito dispersa. A verba acaba pequena.
Temos aqui grandes oportunidades desperdiçadas. É provável que, em poucos anos, as áreas de maior interesse das pessoas sejam os esportes e a cultura - com uma brecha para as viagens, claro. "Mens sana in corpore sano", dá vontade de dizer, mas com uma diferença: o ideal da primeira metade do século XX - ginástica sueca e alta cultura - cede lugar a exercícios alternativos, variados, e a uma cultura cheia de diversidade, criativa, espontânea. Acredito que aí surgirão negócios economicamente poderosos. Ouso dizer que quem apostar em menos carros e mais academias e centros culturais (ou em cultura sem centros) não só fará um bem para a humanidade como, além disso, poderá ganhar um bom dinheiro.
Por que, então, os governos deixam esses ministérios num segundo plano? É verdade que o único ministro de FHC maior que seu cargo foi o dos Esportes - Edson Arantes do Nascimento - e que o único ministro de Lula maior que o seu posto era o da Cultura - Gilberto Passos Gil Moreira. No entanto, Pelé foi um ministro apagado e Gil várias vezes esteve ameaçado de ficar sem orçamento. Pelo menos uma vez, eu soube que esteve a ponto de pedir demissão, pois iam cortar 57% de suas verbas. Imaginem só, perder Gilberto Gil: falta audácia a nossos governos.
Sei que algumas Pastas são decisivas. Uma comanda a economia, da qual hoje tudo depende. Ora é a Fazenda, ora o Planejamento. Outra dirige a política, as leis - é a Justiça. A terceira é a Casa Civil, que articula o governo - tanto que nos Estados se chama secretaria de Governo. Um grupo de Pastas que já foi decisivo, os militares, hoje se reduziu à sua real significância, no ministério da Defesa. Muito bem.
Temos os grandes ministérios "sociais", como Saúde, Educação e Desenvolvimento Social. Eles investem no futuro, pois quando funcionam bem reduzem doenças, melhoram a qualidade de vida, qualificam as pessoas no trabalho e no lazer. Merecem seus orçamentos altos.
Mas o que não dá para entender é que, ainda hoje, Pastas que têm carimbado no seu DNA as palavras "futuro", "prazer" e mesmo "felicidade" fiquem relegadas a um segundo plano, com verbas pequenas e, sobretudo, pouca antevisão, pouca projeção do novo, servindo de moeda partidária e se exigindo pouca performance delas. Um mundo novo está surgindo, e falta arrojo aos governos para perceber tudo o que pode nos trazer - e, mais que isso, tomar as medidas nesta direção.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
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