segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Os governadores de São Paulo, por Renato Janine Ribeiro



São Paulo acaba de eleger seu quinto governador consecutivo do PSDB. Desde 1994, todos os governadores paulistas foram tucanos. Contudo, nesse período temos duas fases bem diferentes. A primeira cobre os pleitos de 1994 e 1998, em que Mario Covas se elegeu e reelegeu – da segunda vez, com bastante dificuldade. Várias forças políticas se digladiavam, havendo uma presença significativa da direita, tanto a mais ligada ao ex-governador Maluf quanto a do ex-governador Orestes Quércia. Nos dois casos, Covas somente conseguiu ganhar as eleições, no segundo turno, graças ao apoio do Partido dos Trabalhadores, que tinha se oposto a ele na primeira rodada mas acabou por dar-lhe seus votos contra o adversário principal, que era a direita.

Isso é curioso porque nesse período já se tinha firmado, no âmbito federal, a aliança entre PSDB e PFL (hoje DEM), que começa com Fernando Henrique Cardoso e continua até nossos dias. Ou seja, as famílias políticas federal e estadual eram diferentes. No plano federal, os brasileiros tinham uma oposição entre dois partidos principais: o PT, por um lado, o PSDB apoiado pelo PFL, por outro. Mas, no plano dos Estados, e não apenas em São Paulo, muitas vezes no segundo turno as divisões – e as alianças – do tempo da ditadura continuavam importantes. Isto é, por um lado, os partidos que apoiaram o regime militar, como o PFL, e por outro os que se opuseram a ele, como o PT e o PSDB – e parte razoável do PMDB.

Porém, isso muda justamente desde 2002. Nas três últimas eleições estaduais, o PSDB conseguiu ganhar as eleições com margem maior de votos, com maior tranqüilidade, sendo que em 2006 e 2010 nem tivemos segundo turno. Mas seu antagonista principal deixou de ser a direita, para tornar-se o PT. Nesses casos, o que vemos? Um esvaziamento significativo dos partidos direitistas. O PFL, hoje DEM, e a agremiação malufista, o PP, acabam se tornando partidos secundários, coadjuvantes de uma das forças em conflito. Curiosamente, nos nossos dias o PFL apóia o PSDB, enquanto o PP, de Maluf, acabou servindo de auxiliar do PT no âmbito federal e talvez, em certo sentido, estadual. Isso fez as três últimas eleições paulistas extremamente acirradas e tensas. O conflito entre PT e PSDB, que já existia no âmbito federal de forma acentuada desde o pleito de 1994, se torna significativo no Estado a partir de 2002.

O fenômeno importante a salientar em São Paulo não é só que o PSDB cresceu, deixando de ser uma entre três ou quatro forças para tornar-se o partido vitorioso numa disputa basicamente bipartidária, entre ele e o PT. Não é apenas isso. É também que esse crescimento se deu com a incorporação de um eleitorado direitista, que antes provavelmente votaria numa liderança da própria direita. Esse fenômeno, por sinal, não se limita a um Estado ou outro, mas prevalece no país como um todo.

Por um lado, não temos hoje lideranças políticas que utilizem um discurso constante, reiterado, explícito de direita. O eleitor de direita acaba votando muitas vezes em candidatos de centro, como seriam os candidatos tucanos. Contudo, esses próprios candidatos acabam fazendo concessões – talvez mais do que precisariam – à direita. Embora os eleitores direitistas não tenham praticamente alternativa, a não ser votar nos candidatos de centro, esses candidatos retribuem a gentileza, adotando posições mais conservadoras do que sua história passada justifica.

O que se pode lamentar nisso é que nunca foi tão grande a distância entre os dois grandes partidos que lutaram contra a ditadura e que têm maior compromisso social, a ponto de tal distância extrapolar os limites do razoável e ingressar no ódio.

Agora, quais são os desafios principais para o Estado e seu governador? São Paulo tem segmentos que se comparam, em riqueza, com a Europa. Mas há pelo menos três grandes problemas que ameaçam seu futuro. O primeiro é o trânsito, que piora a qualidade da vida e cria um enorme “custo São Paulo”, nos serviços presenciais e no transporte de mercadorias e pessoas. Como a indústria automobilística é muito poderosa, seus produtos poluem e congestionam: atrasam as pessoas, o desenvolvimento, a sustentabilidade. O segundo é a educação que, pública ou privada, é deficiente e também há de atrasar o Estado numa época em que a economia exige, cada vez mais, conhecimento. O terceiro é a pobreza e mesmo a miséria, com seu cortejo de problemas, sociais, econômicos – e éticos. O grave é que – se nestes últimos anos a miséria e a pobreza se reduziram, devido mais a medidas federais do que estaduais – a educação básica, a cargo do Estado e dos municípios, não melhorou e o trânsito só piorou; e não se vê luz no fim do túnel. Nesses problemas se vê em jogo o futuro não só de São Paulo como do Brasil.

(Revista Poder, de Joyce Pascowitch, nov. 2010)

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