Renato Janine Ribeiro
A
Vejamos o trânsito. Funcionou bem, enquanto tinham carro apenas três ou cinco por cento dos brasileiros. O tráfego fluía. Era fácil guiar e estacionar. Mas, hoje, metade das viagens realizadas na cidade de São Paulo é por carro.
Não dá. E é claro que toda pessoa que já pensou no trânsito sabe que o transporte individual tem de ser a exceção, não a regra. Mas o que fazer, quando na maior parte de nossas cidades o ônibus é a vala comum na qual as classes abonadas não querem se meter e da qual os mais pobres querem escapar? Ter um carro, ainda que caindo aos pedaços, passa a ser um sinal mínimo e necessário de dignidade.
Porque dignidade e cidadania não são palavras abstratas, de teor apenas cívico: têm a ver com o conforto. É errado pensar que o civismo se mede só pelos símbolos nacionais ou pela dedicação ao bem comum. Ele está no respeito ao outro. É por isso que, quando o conforto é negado a quem se vale do ônibus, ter um carro se torna distintivo do cidadão. É um distintivo errado e destrutivo a médio
O que tem isso a ver com a ética? Duas coisas. A
Essa etimologia é errada (etiqueta vem do rótulo que se colocava nos
Chego assim ao segundo ponto. O Brasil funcionou, enquanto a desigualdade era aceita socialmente. Não se via maior
Nossa sociedade não deixou de ser desigual, nem acabou a exclusão, mas aumentou incrivelmente o desejo de inclusão. É o que leva os mais pobres, já sem esperança num transporte coletivo decente, a com
Ampliou-se tanto o número dos que andam de carro - incluindo os mais pobres, ainda excluídos de tantos direitos e vantagens - quanto a classe média. Não é de minha
Ora, isso quer dizer que aqueles que podiam furar a fila – falei no banco, mas pode ser o restaurante chique, a loja de bom atendimento, qualquer lugar – também aumentaram em
Em nossa sociedade, adotamos então recursos indiretos para manter a desigualdade. Quem pode, manda um boy para o banco. Ou usa a Internet para o acesso. Ou se torna um cliente, não apenas especial, porque muitos já o são, porém vip, com guichê escondido para você. Ou dá um jeito de passar na frente discretamente, quase envergonhado: porque, antigamente, furar na fila era já um sinal de distinção.
Voltemos então à ética. Nas colunas anteriores, sustentei que a ética não é abstrata, um conjunto de
Aumentou a classe média, e portanto até os abonados percebem que, se continuar a regra (ou a des-regra) de furar a fila, eles mesmos serão
E por outro lado os pobres não acham mais “bonito não ter o que comer”, para citar fora de contexto um verso de “Amélia”, uma das mais belas canções de Mário Lago. Ver o outro passar na sua frente não é mais aceitável. Daí que falemos tanto em ética: a sociedade brasileira foi tomando consciência de que, na guerra de todos contra todos, valores como o do respeito, o da igualdade e o da liberdade são fundamentais. Ou eles, ou o caos.
É esse o chão que fez, nos últimos anos, crescer tanto o interesse pela ética, desde cursos que são ministrados até um clamor cada vez maior por ética na política. Esse é um dado altamente positivo de nossa vida social. É
A sociedade crê mais na ética do que a elite. Um dos erros do governo passado foi não dar o devido peso ao
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